Suspenso julgamento de RE sobre aplicação de norma de correção monetária do Plano Real
Pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes interrompeu o julgamento, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), do Recurso Extraordinário (RE) 307108 no qual se discute a aplicação de norma de correção monetária contida na Lei 8.880/1994 (Plano Real). Único a votar na sessão desta terça-feira (29), o relator da matéria, ministro Marco Aurélio, deu provimento ao recurso, ao entender que a lei que criou o Plano Real não alcança contratos pré-existentes, devendo ser aplicado, no caso concreto, o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), previsto à época da celebração do contrato.
O RE foi interposto pela Adipar Empreendimentos e Participações Ltda. antes da Emenda Constitucional 45/2004, que instituiu a sistemática da repercussão geral. Por essa razão, o RE está sendo julgado diretamente pela Turma.
Na instância de origem, a empresa impetrou mandado de segurança a fim de que títulos – Notas do Tesouro Nacional (NTNs), série C – adquiridos por ela no dia 1º de novembro de 1994, fossem atualizados monetariamente de acordo com a variação fixada pelo IGP-M, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FVG), e não com base em lei instituída à época, que criou o Plano Real e estabeleceu nova forma de cálculos dos índices de correção monetária.
No RE, a empresa defende a inaplicabilidade, aos contratos preexistentes, do disposto no artigo 38, da Lei 8.880/1994 (Plano Real), o qual prevê a incidência do IGP2-URV para fins de correção monetária. Questiona acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) sob alegação de ofensa ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e ao direito de propriedade – incisos XXXVI e XXII, respectivamente, do artigo 5º, da Constituição Federal –, tendo em vista cláusula expressa quanto a índice de correção nos pactos em questão. Sustenta que o TRF-2 não observou o parágrafo único do artigo 7º da Lei 8.880/1994, quanto à necessidade de preservação do equilíbrio econômico e financeiro das relações.
Dessa forma, pede o provimento do recurso para que seja afastado entendimento do tribunal de origem, a fim de ser reconhecido o direto à adoção do IGP-M à época do resgaste de títulos negociados por meio de contratos anteriores à vigência da Lei 8.880/1994.
Voto do relator
Para o ministro Marco Aurélio, não está em análise a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de ato normativo, mas a aplicação ou não do artigo 38 da Lei 8.880/1994. “O pano de fundo é a aplicação da lei no tempo”, salientou, ao ressaltar que no julgamento do RE deve ser definido se a norma de correção monetária prevista no artigo 38 da Lei 8.880/1994 é aplicável a negócio jurídico formalizado antes da vigência do diploma, considerado o rol das garantias constitucionais previstas no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.
Segundo o relator, para a formalização do contrato para a compra de títulos, foram levados em conta o artigo 30 da Lei 8.177/1991, artigo 2º, inciso I, da Lei 8.249/1991, e artigo 1º, parágrafo 3º, alínea “e”, do Decreto 1.019/1993. Conforme a norma contida na Lei 8.249/91, caberia ao Poder Executivo regulamentar, para cada série específica de NTNs, as caraterísticas de atualização do valor nominal, negociabilidade, forma de pagamento de juros e resgate do principal, bem como prever a consideração da variação do IGP-M ou taxa referencial ou, ainda, a variação da cotação de venda do dólar americano no mercado de câmbio de taxas livres, divulgada essa variação pelo Banco Central do Brasil.
O ministro Marco Aurélio observou que o tribunal de origem, reformando o entendimento do juízo, adotou o critério de correção monetária estabelecido na Lei 8.249/1991, regulamentada pelo Decreto 1.019/1993, assentando a aplicabilidade de norma superveniente (artigo 38 da Lei 8.880/1994). Essa lei versa sobre os valores das obrigações pecuniárias de qualquer espécie, a possibilidade de conversão em URV e a preservação do equilíbrio econômico e financeiro, observada a data de aniversário de cada obrigação.
Provimento
“Tem-se negócio jurídico plenamente constituído antes do advento do diploma de 1994”, considerou o relator. Para ele, os requisitos do título, que adotou o IGP-M como critério de correção monetária, foram preenchidos com base nas Leis 1.177 e 8.249, ambas de 1991. Com isso, o Banco Central ficou obrigado a remunerar as NTNs, série C, conforme o indexador versado no Decreto 1.019/1993.
De acordo com o ministro, se as Notas do Tesouro Nacional foram formalizadas com base na legislação da época, “tem-se como configurado ato jurídico perfeito a revelar relação jurídica projetada no tempo”. Portanto, para o relator, nova lei não pode alcançar ato perfeito e acabado, segundo garantias constitucionais de que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. “Cláusula mais clara não poderia haver e ela protege esses institutos da atuação do legislador”, salientou.
“Se é certo ter ocorrido no país movimento visando à implementação de novo sistema monetário nacional, não menos correto é haver permanecido íntegra a Lei Maior, que impõe o respeito irrestrito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido”, avaliou o ministro. Caso contrário, conforme o relator, haverá a quebra do próprio sistema constitucional, “gerando, ante o efeito retroativo de lei nova, desequilíbrio ímpar”.
Para o ministro Marco Aurélio, a referida situação “fulminará a segurança jurídica, inerente às sociedades democráticas, cujo principal aspecto consiste na certeza de as relações formalizadas sob a regência de determinada norma perdurarem ainda quando esta seja substituída”. Por essas razões, o relator votou no sentido de conhecer e prover o recurso a fim de reformar o acórdão questionado e restabelecer entendimento proferido na sentença.
EC/CR
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Fonte: STF