Ministro nega trâmite a recurso que alegava irregularidades na demarcação de terra indígena no Ceará
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento (julgou inviável) ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 34563, em que a empresa Pecém Agroindustrial Ltda. sustentava que o procedimento de demarcação da Terra Indígena Lagoa Encantada, de ocupação tradicional da etnia Jenipapo-Kanindé, no Município de Aquiraz (CE), teria desrespeitado os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
A empresa recorreu ao STF após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter negado mandado de segurança lá impetrado contra ato do ministro da Justiça, consistente na Portaria Ministerial 184/2011, que homologou a demarcação. A Pecém Agroindustrial tem unidades produtivas na área e alegou uma série de supostas violações aos dispositivos constitucionais, que justificariam o reconhecimento da nulidade da portaria. Sustentou no recurso que o grupo de trabalho encarregado de proceder à demarcação das terras indígenas não contou com a necessária participação do Município de Aquiraz. Afirmou também que não lhe foi concedida a oportunidade de requerer a produção de provas e que não foi cientificada dos atos procedimentais praticados no âmbito da marcha demarcatória.
Mas, de acordo com o ministro Barroso, o procedimento respeitou as normas previstas na Lei 6.001/1973 e no Decreto 1.775/1996. De acordo com tais normas, cabe à Funai editar portaria nomeando antropólogo para que realize estudo antropológico de identificação. Em seguida, deve designar grupo técnico especializado, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogo; eventualmente, se necessário, o grupo contará com o auxílio de técnicos nomeados pelo órgão federal ou estadual específicos. Finalizados os trabalhos de identificação e delimitação, o grupo técnico apresentará relatório circunstanciado, caracterizando a terra indígena a ser demarcada.
Aprovado o relatório pelo titular da Funai, será publicado seu resumo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área, devendo a publicação da situação do imóvel ser afixada na sede da Prefeitura Municipal. Desde o início do procedimento demarcatório até 90 dias após a publicação do referido resumo, estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados poderão se manifestar, apresentando razões instruídas com todas as provas pertinentes.
Segundo o ministro Barroso, conforme se depreende das normas, a participação de estados e municípios nos procedimentos de demarcação de terras indígenas, embora evidentemente importante, não é obrigatória. Muito menos há obrigatoriedade de que seus representantes participem do grupo técnico especializado. “O que se mostra imprescindível, pois, é que seja garantida, em algum momento ainda antes da homologação da demarcação, essa possibilidade de manifestação aos interessados”, explicou o ministro. Ele verificou que existe prova nos autos de que a Funai informou expressamente a Prefeitura de Aquiraz sobre o procedimento, mas o município não se manifestou. Salientou que a existência do procedimento era pública e notória, tanto assim que membros do Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável de Aquiraz expressaram apoio ao processo de demarcação de terras da comunidade indígena.
O ministro Barroso acrescentou que, mesmo que se entenda que o município deveria ter sido notificado formalmente já no momento da constituição do grupo de trabalho – providência que o Decreto 1.775/1996 não exige –, fato é que, quando do recebimento do aviso de recebimento encaminhado pela Funai, ainda poderia se opor à demarcação no prazo de 90 dias, mas não o fez. Já o Estado do Ceará, segundo o relator constatou nos autos, participou ativamente no procedimento de demarcação, tendo designado um engenheiro agrônomo do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) para integrar o grupo técnico.
“De toda sorte, os únicos interessados em alegar referida nulidade seriam o Estado do Ceará e o Município de Aquiraz. É dizer, falta à recorrente (empresa) legitimidade para impugnar o procedimento com base neste fundamento. Ademais, a recorrente não demonstrou qual teria sido o prejuízo decorrente de tal suposta nulidade – até porque, como mencionado, o próprio Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável de Aquiraz-CE expressou apoio ao processo de demarcação de terras da comunidade indígena. Sem prejuízo demonstrado não se anula ato administrativo que cumpriu sua finalidade”, destacou Barroso.
O ministro afastou também o argumento quanto à possibilidade de produção de provas pela empresa no curso do procedimento demarcatório. Segundo o ministro, tal solicitação não foi formulada pela Pecém Agroindustrial Ltda., mesmo a recorrente tendo tomado conhecimento e acompanhando o procedimento desde, pelo menos, o ano 2000. “Se tivesse efetivamente formulado o requerimento, de modo justificado, e este tivesse sido indeferido, poderia questionar o acerto de tal decisão”. Sequer agora, na via recursal, a empresa informa quais seriam as provas requeridas e qual sua importância para a demarcação das terras indígenas, concluiu.
VP/AD
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Fonte: STF